terça-feira, 20 de julho de 2010

Horror em vilarejo do Vietnã.

Em um ataque de fúria, soldados americanos mataram a sangue-frio 504 aldeões vietnamitas. A carnificina foi abafada por um ano
por Isabelle Somma

Era o dia 16 abril do agitado ano de 1968. Logo nas primeiras horas daquela manhã, os 120 soldados da Companhia Charlie receberam uma missão: “limp
ar” a aldeia de My Lai. Suspeitava-se que ali, no humilde vilarejo, estivessem escondidos alguns “gooks” – ou lodos, como os americanos chamavam os soldados inimigos. Pouco depois das 8 horas, dois pelotões invadiram o povoado, enquanto um terceiro ficou na retaguarda.

Em quatro horas, estava consumada a maior matança de civis da história da Guerra do Vietnã. Os combatentes dos Estados Unidos vasculharam as choupanas, onde se encontravam apenas mulheres, crianças e idosos. Centenas de tiros foram disparados sem alvo certo. As mulheres eram estupradas e mortas. Os homens, torturados e mutilados antes de serem assassinados a sangue-frio. A soldadesca ainda usou baionetas para inscrever “Companhia C” no peito das vítimas. No fim do espetáculo sangrento, o saldo: 504 aldeões abatidos de uma só vez sob a liderança do tenente William Calley.

O massacre de My Lay foi abafado pelos oficiais da companhia por quase um ano. O genocídio só veio a público em 1969, provocando reações de repúdio mundo afora. Durante as horas de atrocidades, não houve sequer um tiro que não tivesse saído das armas dos soldados americanos. Ou seja, a suspeita de que My Lai era esconderijo de combatentes do Vietnã do Norte era falsa. “Pressões psicológicas, medo, raiva e fraca liderança são elementos-chave para explicar tal comportamento brutal”, afirma o professor da Universidade Estadual da Califórnia, David L. Anderson, autor de Facing My Lai (“Encarando My Lai”, inédito no Brasil) e ex-combatente da Guerra do Vietnã. “Quando o massacre foi divulgado, mostrou o que o conflito estava causando a americanos e vietnamitas. Revelou também os rumos que a guerra tinha tomado em termos de objetivos e custos, e como era urgente um desfecho.”

Segundo o professor, o pelotão responsável pelo massacre estava há apenas três meses no Vietnã. Jovens e sem experiência de guerra, muitos soldados da Companhia Charlie entraram em pânico durante a carnificina. O único americano ferido foi um soldado que deu um tiro no pé para não ser obrigado a participar do show de horror que se descortinava à sua frente. Um piloto de um helicóptero que dava cobertura à operação, Hugh Thompson, pousou na frente de um dos pelotões pedindo para que parassem de atirar. Mesmo tendo causado asco em muitos dos combatentes da própria companhia, a verdade sobre o massacre demorou a aparecer. Ao reportar-se a seus superiores, o capitão Ernest Medina disse que haviam morrido apenas 20 civis na ação. De acordo com Anderson, os oficiais também deram ordem de silêncio à tropa. Mas, um ano depois, o recém-chegado Ronald Ridenhour ouviu o relato contado pelos colegas da Companhia Charlie. E, chocado, escreveu às autoridades revelando os bastidores de My Lai. A imprensa publicou a história.

Chegava ao fim a terrível farsa. De todos os oficiais que foram à corte marcial, apenas Calley saiu condenado. Ele teria de cumprir prisão perpétua. Mas não chegou sequer a ficar em uma cela. Durante três anos permaneceu em prisão domiciliar em um forte do exército, no Estado da Geórgia. Em 1974, sua pena acabou comutada para dez anos. E, no mesmo ano, foi perdoado pelo presidente Richard Nixon e libertado. “Era impossível para um tribunal determinar se houve ordens superiores para matar os aldeões. Mas é verdade que os comandantes responsáveis pelo planejamento e a liderança da operação deveriam ter evitado o massacre”, diz Anderson. O piloto Hugh Thompson, por outro lado, foi considerado um traidor durante anos, recebendo até ameaças de morte. O reconhecimento pelo ato de heroísmo chegou com mais de três décadas de atraso. Em março deste ano, seu nome entrou para o Hall da Fama da Aeronáutica norte-americana.

Existem alusões a esse massacre em algumas obras do cinema Hollywoodiano, como em Soldado Universal e outros, retratando a insanidade que tomou conta de alguns militares norte-americanos, como também os traumas sociais gerados pela Guerra do Vietnã como um todo.

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