No dia 17 de abril de 1975, os membros do Khmer Vermelho ocuparam Phnom Penh, capital do Camboja, sem resistência e em poucas horas esvaziaram completamente a cidade, em um primeiro ato de um regime de terror que deixaria mais de três milhões de mortos.
A 'gloriosa revolução' da Kampuchea (Camboja) Democrática, dirigida pelo irmão número um, Pol Pot, entrou em marcha e os soldados de negro do novo poder esvaziam à força Phnom Penh e todas as cidades, considerados símbolos de toda a corrupção do regime de Lon Nol apoiado pelos Estados Unidos. "O novo povo deve ser purgado de todos os seus vícios" era o lema da revolução. Em um dia, os quase dois milhões de habitantes da capital foram obrigados a partir para os campos, por 'alguns dias', segundo os membros do Khmeres Vermelhos, para se proteger de bombardeios americanos que nunca aconteceram. A Angkar, "a Organização" dirigida por Pol Pot - com Nuon Chea, Khieu Samphan, Ieng Sary, Son Sen e Ta Mok - aplicou uma ideologia ultranacionalista e comunista extremista, de orientação maoísta. Por isso, os membros do Khmer Vermelho, cujos chefes se formaram no estrangeiro, sobretudo na França, impuseram progressivamente a eliminação da família, a abolição da religião e do dinheiro.
Segundo o partido, era um meio de criar um homem novo em uma sociedade rural absolutamente igualitária. Em nome de uma utopia agrária, a população passou fome e todo o povo foi explorado em trabalhos forçados para produzir arroz e construir gigantescas obras.
Aqueles que não se submetiam às ordens do poder central eram torturados, executados, deportados ou postos sob uma vigilância rígida e a uma depuração étnica ou ideológica, no caso de vietnamitas, chineses ou muçulmanos. Em três anos, oito meses e 20 dias, quase dois milhões de cambojanos morreram sob a tortura, a fome, doenças em geral, esgotamento ou por punições no interior do regime. Cerca de 30% da população do Camboja. Pol Pot esteve no poder entre 1975 e 1979. Foi um regime excepcionalmente brutal, num século em que não faltaram concorrentes. Durante duas décadas, Pol Pot pairou como um fantasma maligno. Misterioso e arredio, mal aparecia, mesmo na chefia.
No final de 1978, 50 mil soldados vietnamitas invadiram o Camboja depois de uma série de ataques do Khmer Vermelho contra o território do Vietnã, derrubando um regime minado por lutas internas e deserção em massa. Nesta época, começa a se conhecer a magnitude do genocídio e das atrocidades cometidas pelo regime de Pol Pot, registrando os campos de concentração e as milhares de ossadas espalhadas pelo país, pois faltava quem as enterrasse.
Contudo, os interesses estratégicos das grandes potências permitem que 30 anos depois vários dos ex-líderes do Khmer Vermelho, responsáveis pelo genocídio, consigam evitar a Justiça.
Em 2003, as Nações Unidas e o Camboja concordaram no final de seis anos de difíceis negociações, a organizações de uma corte especial mista - cambojana e internacional - para julgar os responsáveis por genocídio. No entanto, as organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram que o tribunal e sobretudo os juízes cambojanos seriam submetidos a pressões políticas em um país onde a Justiça é notoriamente corrompida.
A nível internacional, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a China, que foi o apoio ideológico do Khmer Vermelho, e os Estados Unidos, rejeitaram participar financeiramente no processo e os rearmaram em nome das imperativas estratégias da Guerra Fria. Inclusive a ONU seguiu reconhecendo o regime do Khmer Vermelho vários anos depois de ter sido expulsa pelo corpo expedicionário vietnamita e depois de serem conhecidas amplamente as atrocidades que haviam cometido.
Chamar Pol Pot de monstro ou compará-lo a Adolf Hitler, pelo furor assassino, é um recurso de linguagem para explicar as dimensões do mal provocado. O perigo é deixar de dizer que Pol Pot não agiu sozinho. Se viveu até morrer docemente numa cama com mosquiteiro, foi porque soube tirar vantagem da geopolítica da Guerra Fria e ser aceito como um obstáculo importante ao expansionismo soviético na Ásia. Até as eleições supervisionadas pela ONU em 1993, o Khmer Vermelho era reconhecido pelos Estados Unidos como o governo legítimo do país, enquanto o Camboja, sob intervenção vietnamita, sofria pesadas sanções internacionais. Ocupava uma cadeira nas Nações Unidas e participava ativamente em seus organismos, como a Unesco. A China continuou fornecendo-lhe armas até 1990 e a Tailândia ainda lhe dá certo apoio logístico. A partir de 1979 nenhum país podia argumentar ignorância sobre o genocídio cometido pelo regime do Khmer Vermelho. Pol Pot morreu em 1998 e escapou da Justiça. Somente dois dos ex-dirigentes estão presos, os outros vivem livres em Phnom Penh ou nos antigos redutos da guerrilha no noroeste do Camboja.
Mais de 30 anos depois, o Camboja segue com a eliminação de setores de sua sociedade e um silêncio cúmplice sobre um dos piores genocídios do século XX, que não figura nos programas escolares.
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