domingo, 22 de maio de 2011

Cruzadas.

Entender o que foram as Cruzadas não é difícil se partirmos inicialmente do entendimento de seu próprio nome. Seu nome deriva da palavra "cruz", que indica o martírio de Jesus Cristo carregando-a e sendo nela pregado, até morrer de maneira lenta e dolorosa. Durante a Idade Média, a Igreja transformou a cruz no símbolo do cristianismo. Assim, as Cruzadas foram expedições organizadas pela Igreja para levar o cristianismo para outros povos, que não seguiam essa religião.


Indumentárias típicas dos cruzados. O da direita é um "hospitalar", padre que lutava e tratava feridos.

No entanto, para impor essa cruz, ou a fé em Cristo, para ou praticantes de outras religiões, não adiantava usar somente a palavra. Para povos que oferecessem resistência, a palavra seria de pouca serventia. Assim, a força armada era o principal elemento dessas expedições, que se denominavam também de "Guerra Santa".


Soldados cruzados executando "infiéis". Percebam Cristo em detalhe, ao lado dos guerreiros.

A principal justificativa das Cruzadas foi reconquistar territórios perdidos para os inimigos da fé católica, ao mesmo tempo trazendo novos povos e regiões ao domínio da Igreja. Assim, a primeira Cruzada partiu em 1096, convocada pelo papa Urbano II, para Jerusalém, no Oriente Médio, região do nascimento de Jesus, considerado lugar sagrado pelos cristãos.



"INFIEIS" NA TERRA SANTA:


Jerusalém estava sob domínio árabe desde o século VIII, ainda pelos califas "rashidun". Porém, quando foi dominada pelos turcos, o cristianismo foi proibido na chamada "Terra Santa". Essa primeira Cruzada durou três anos: percorreu grande parte do continente europeu e, atravessando parte do mar Mediterrâneo, chegou a Jerusalém por terra.



Ao longo de mais de 200 anos, entre os séculos XI e XII, foram realizadas oito Cruzadas. A mais longa durou seis anos e a mais curta, apenas um. No decorrer desse período, as Cruzadas foram desfazendo o isolamento em que a Europa se metera na Alta Idade Média, e reativando cada vez mais o trânsito por mar, chegando, inclusive, a retomar o contato com o continente africano.

Essas expedições em busca de novas terras atraíam milhares de pessoas. Havia um forte elemento religioso que motivava essas pessoas a virarem os "soldados de Deus". Ao atribuir às Cruzadas o caráter de "Guerra Santa" e considerá-las sagradas, a Igreja católica prometia aos seus soldados um lugar no Paraíso, depois de sua morte. Mas, além da justificativa religiosa, o interesse econômico de atacar outros povos, invadir suas cidades e saquear suas riquezas, era certamente algo interessante para os cavaleiros que marchavam nas Cruzadas.



Comitiva nobre bizantina em visita ao castelo de Balduíno, rei cristão de Jerusálem.


UMA CRUZADA PARALELA (DOS MENDIGOS):

Assim, mais do que empreendimentos exclusivamente espirituais, as Cruzadas foram financiadas tanto pela Igreja, como pelos nobres e por ricos comerciantes, como um negócio ou investimento. Por outro lado, uma legião de miseráveis acabou se juntando à primeira delas, e compôs uma Cruzada paralela, não oficial, que chegou a ser condenada pelo Papa.

Isso ocorreu entre 1096 e 1099. Assim, essa primeira expedição oficial que rumava para Jerusalém, a fim de reconquistar a terra ocupada pelos turcos, foi copiada por uma expedição de pobres e miseráveis, que também queria seu lugar no céu, bem como riquezas na Terra. No entanto, essa "Cruzada paralela", organizada por Pedro, o Eremita, que conseguiu juntar 50 mil fiéis, foi aniquilada ao chegar em Constantinopla. A Cruzada dos Miseráveis é sarcasticamente retratada nos filmes de "Brancaleone", um ícone do humor histórico.


Representação da Cruzada dos Mendigos em Brancaleone.


Capas dos dois geniais filmes italianos do pseudo-cavaleiro Brancaleone (1966).

Já a Cruzada oficial, financiada pela nobreza e comandada por Godofredo de Bouillon, contou com 100 mil homens soldados e terminou com um final feliz para os cruzados: eles conseguiram não só reconquistar Jerusalém, como também a tomar a terra dos turcos.


Godofredo de Bouillon chegando em Jerusálem

Recomendo o filme "Cruzada" (Kingdom of Heaven) para melhor compreensão do fato, especialmente o fim da primeira cruzada e a reconquista turca através do sultão Saladino.



Capa original do filme Cruzada (2005).


SALADINO E RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO:

Quase 50 anos depois, Jerusalém foi reconquistada pelos turcos e a Igreja teve nova justificativa para empreender uma outra Cruzada. Assim, entre 1147 e 1149, ocorreu a Segunda Cruzada, financiada por nobres franceses e germânicos. No entanto, essa campanha resultou num grande fracasso para os europeus.


A vitória de Saladino.

Quatro décadas se passaram, quando se resolveu empreender mais uma expedição militar à Terra Santa. Essa Terceira Cruzada, ocorrida entre 1189 e 1192, mais do que ter financiamento dos nobres, teve a presença dos reis de três dos principais reinos daquele período: da França, com Felipe Augusto; da Inglaterra, com Ricardo Coração de Leão, e do reino germânico, com Frederico Barba Ruiva.

Apesar disso, a expedição também foi derrotada militarmente. O Barba Ruiva morreu antes de chegar ao campo de combate, ainda que Ricardo Coração de Leão tenha conseguido um acordo com Saladino, o que permitiu aos cristãos pelo menos o direito de rezarem desarmados em Jerusalém.



VENEZIANOS E CRIANÇAS (A CRUZADA DAS CRIANÇAS OU DOS INOCENTES):

As demais Cruzadas não foram expressivas pelo sucesso de sua missão religiosa, mas por outros motivos. Assim, a Quarta Cruzada, realizada entre 1201 e 1204, que foi financiada pelos comerciantes de Veneza, trouxe grandes benefícios a seus organizadores, pois submeteu povos da Grécia e os bizantinos aos tratados comerciais venezianos.

Em 1212, houve uma Cruzada bastante curiosa, não reconhecida pela Igreja católica, organizada por um menino de 12 anos, chamado Estevão de Cloyes. Este garoto conseguiu juntar com ele mais 30 mil jovens, que acreditavam que o Mar Mediterrâneo se abriria para eles chegarem até o Oriente Médio. Muitos comerciantes e proprietários de navios se interessaram por essa Cruzada, prometendo transportar as crianças para a Terra Santa. Na verdade, o que fizeram foi vendê-los como escravos nas cidades pelas quais passavam. Podemos interpretar também que essa cruzada foi uma estratégia para reduzir a crise de fome que assolava parte da Europa, enviando crianças das classes baixas, muitas órfãs, as principais vítimas da crise.



Representações da Cruzada das Crianças (dos Inocentes).


ÚLTIMAS CRUZADAS:


Todas as outras Cruzadas foram fracassos militares: tanto a Quinta, organizada entre 1217 e 1221, quanto a Sexta, realizada entre 1228 e 1229. Esta última foi condenada pelo Papa, pois seu líder, Frederico II, Imperador do Sacro Império Germânico passou por cima da autoridade papal, fazendo acordos diplomáticos com os egípcios.
Finalmente, com quase 30 anos de distância uma da outra, a Sétima e a Oitava Cruzadas foram realizadas pelo rei francês Luiz 9º. Este rei, tratado com um santo pela Igreja católica, foi feito prisioneiro pelos seus inimigos durante a Sétima Cruzada (que durou 6 anos, entre 1248 a 1254). Na Oitava e última Cruzada, que durou apenas um ano, em 1270, o final da expedição foi ainda pior. A maior parte dos cruzados, inclusive Luiz IX, acabou morrendo de peste antes de chegar à Terra Santa. Como pudemos ver, as Cruzadas envolveram interesses e crenças de diversos grupos sociais da Idade Média. Pobres, vagabundos, crianças sem perspectiva; nobres poderosos, influentes reis em busca de expansão de seus poderes; ricos comerciantes dispostos a estabelecerem novas rotas de comércio. Todos essas pessoas, com seus projetos e intenções fizeram parte das expedições religiosas e armadas, idealizadas pela Igreja católica para ampliar o domínio do cristianismo no mundo.


CONSEQUÊNCIAS DAS CRUZADAS:


Os objetivos militares iniciais das Cruzadas não foram conquistados, mas esse evento provocou uma séria mudança no contexto econômico e cultural europeu. O contato dos cruzados com certos produtos orientais, como raízes medicinais, perfumes, temperos, as chamadas "especiarias", estimulou o renascimento do comércio na Europa, reativando antigas rotas comerciais do Mediterrâneo e proporcionando o surgimento de núcleos comerciais e vilarejos de comerciantes, os chamados burgos, base da burguesia, classe responsável pelas grandes alterações políticas e econômicas da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. As cidades-estado italianas de Gênova, Veneza e Florença foram muito beneficiadas com o comércio de produtos orientais. O enriquecimento da burguesia dessas cidades favoreceu o Renascimento Cultural e Científico delas, que tornaram-se os grandes centros irradiadores dessas novas ideias.


CONFIRA ESSA PRODUÇÃO DO HISTORY CHANNEL:

PRIMEIRA CRUZADA:
PARTE 1:


PARTE 2:


PARTE 3:


PARTE 4:


PARTE 5:


PARTE 6:


PARTE 7:



SEGUNDA CRUZADA:
PARTE 1:


PARTE 2:


PARTE 3:


PARTE 4:


PARTE 5:


PARTE 6:


PARTE 7:

domingo, 15 de maio de 2011

Feudalismo

Estudar o feudalismo é conhecer a fundo o modo como viviam as pessoas no período medieval. O feudalismo pode ser definido como um modo de produção, ou seja, a forma pela qual as pessoas faziam produtos necessários à sua sobrevivência. Também é entendido como um sistema de organização social, estabelecendo como as pessoas se relacionavam entre si e o lugar que cada uma delas deveria ocupar na comunidade. O feudalismo consolidou-se a partir do século 8 e teve seu período de maior desenvolvimento até o século 10, como consequência do fim do Império Carolíngio, ruindo as esperanças de reconstruir a unidade europeia, revivendo a época romana. Depois disso, esse modelo de sociedade ainda sobreviveu em alguns reinos europeus até o século 15, no final da Idade Média, como também vestígios dessa organização perduraram até o período absolutista de várias nações.

SERVIDÃO:

A servidão era uma espécie de escravidão mais branda, pois, ainda que os servos não fossem vendidos, estavam obrigados por toda a vida a entregarem produtos e prestarem serviços a seus senhores. Além disso, não eram proprietários das terras em que trabalhavam, pois estas lhes eram "emprestadas" pelos senhores. A servidão era transmitida dos pais para os filhos, assim como os títulos de nobreza também eram hereditários.
Por sua vez, os nobres poderosos eram os chamados senhores feudais. Tinham esse nome em função do tipo de propriedade que possuíam, os feudos. Estes eram extensas propriedades de terras, mantidas isoladas para garantir a proteção das pessoas que ali viviam dos ataques de inimigos externos. Essas unidades eram supridas com uma produção de alimentos quase auto-suficiente, de subsistência, ou seja, produzida pelos próprios moradores, na medida de suas necessidades de consumo. No plano dessas relações servis, havia diversos tipos de impostos que os servos tinham que pagar aos seus senhores, incluindo também os serviços que prestavam a eles. Desse modo, no manso senhorial - que eram as terras do feudo de uso do senhor e representavam um terço da área total - os servos tinham que trabalhar vários dias por semana, numa prática chamada de corvéia.

O feudalismo foi marcado pela divisão estamental da sociedade em três classes sociais básicas: O clero, a nobreza e os servos. A mentalidade da época classificava cada uma como uma parte do corpo humano. O clero seria a cabeça, responsável pela intelectualidade e orar; a nobreza seria os braços, responsável pela defesa; os servos seriam os pés, responsáveis pelo trabalho, fazer a sociedade "andar".

Representação de um clérigo, um nobre e um servo.

IMPOSTOS E TAXAS DO FEUDO:

No manso servil - que eram as terras pertencentes ao feudo, de uso dos camponeses, mas não de sua propriedade - parte do que era produzido ia para o senhor feudal. Essa taxa ficou conhecida como talha. Como os senhores feudais não deixavam escapar nenhuma oportunidade de cobrança de taxas ou impostos, os servos também pagavam a banalidade, um imposto pelo uso dos fornos e moinhos que o senhor controlava. Havia também um pagamento relativo ao número de servos que moravam nos feudos, e era cobrado individualmente, "por cabeça" (ou em latim per capita): era a capitação. Por fim, o imposto da mão morta é uma demonstração cabal de até onde podia chegar a exploração dos senhores feudais sobre os servos, pois, além de herdar a servidão dos pais, quando estes morriam, os filhos ainda deveriam pagar mais essa taxa, para continuarem servindo ao mesmo senhor. Mas não eram somente servos e senhores feudais que viviam em função dos feudos. Havia também homens livres e vilões (moradores de vilas, ou pequenas povoações). Estes eram pessoas pobres, que, para terem direito de plantar e colher em suas terras, trabalhavam também no manso senhorial, pagando ao senhor a corvéia.


Esquema da divisão de terras dentro do feudo (manso senhorial e servil), além de calendário para orientação do plantio e colheita.

SUSERANIA E VASSALAGEM:
Os vilões e homens livres contribuíam com um outro imposto, o censo, baseado no número de indivíduos que compunham essa população livre. A novidade do censo é que ele era o único pago em dinheiro, já que todos os outros tributos consistiam em serviços ou produtos agrários. Isso evidencia o quanto era pequena a circulação de moedas na Europa, durante esse período. Por fim, além do aspecto econômico dessas relações sociais, havia também práticas políticas e simbólicas dentro da sociedade medieval. Assim, os acordos entre os mais e os menos poderosos chamavam-se suserania e vassalagem. Dessa forma, os pobres tornavam-se vassalos dos senhores, que, por sua vez, eram chamados de suseranos. Essas relações de proteção e lealdade também ocorriam dentro da nobreza, quando um nobre mais pobre se tornava vassalo de um senhor mais rico e de maior prestígio. Havia vários ritos entre os nobres para celebrar esse pacto de fidelidade. No momento da assinatura do termo de doação de terras ou concessão de favores do suserano (senhor mais rico) ao vassalo (senhor mais pobre) um beijo entre os dois poderia selar o acordo, além de o vassalo ajoelhar-se perante o suserano.

Suseranos recebendo homenagens de vassalos.

Essas liturgias são mantidas em algumas atitudes da atualidade, principalmente no aspecto religioso. No cristianismo, por exemplo, o ato de se ajoelhar com as mãos juntas para a reza é herança da suserania e vassalagem. Entre cristãos orientais, o beijo no rosto ainda simboliza fidelidade entre cargos e negócios). Podia-se receber também a
investidura, que era um ramo de folhas ou outro objeto entregue pelo suserano ao vassalo. As investiduras funcionavam como símbolo das terras que a eles estavam sendo concedidas.

Exemplo da manutenção da homenagem oscular entre sacerdotes ortodoxos.

domingo, 8 de maio de 2011

Reino Franco.

Desde o final do século III, a historiografia registra ações de pirataria dos francos na costa do Mar do Norte, adentrando regiões da Gália romana. Incapaz de detê-los, vivendo um processo de enfraquecimento, o Império Romano havia estabelecido acordos com eles, admitindo-os dentro de seu território, chegando mesmo a conceder, a alguns chefes guerreiros francos, postos de comando no exército, como Merobaudo, ou Meroveu, que se tornou general do imperador Valentiniano.

A intensificação das invasões bárbaras e o conseqüente enfraquecimento definitivo do império abriram espaço para que todas as regiões da Gália fossem sendo ocupadas pelos francos. Coube a um chefe legendário, chamado Meroveu, impor-se sobre os demais chefes francos, estendendo sua hegemonia sobre toda a Gália.

Tal poder, entretanto, não foi aceito sem reação dos demais chefes. Foi somente o neto de Meroveu, chamado Clóvis, que conseguiu impor, no final do século 5, sua autoridade efetiva sobre todos os demais chefes, sendo reconhecido como o primeiro rei dos francos. Sua origem, enquanto neto de Meroveu, que teria dado início a esse processo de unificação, deu nome à dinastia por ele fundada, a mais antiga dinastia monárquica da França: a merovíngia.

CONVERSÃO DO CRISTIANISMO:

A unificação das terras ocupadas pelos francos sob o poder de Clóvis só foi obtida em função de um dado fundamental para que se compreenda a própria natureza do reino franco e sua importância ao longo da Idade Média. O povo franco, notadamente Clóvis, foi o primeiro entre os povos germânicos a compreender que seria impossível sua fixação nas regiões do antigo Império Romano sem o apoio - ou ao menos a aceitação - das populações nativas, majoritárias em termos numéricos. Para obter essa aceitação, Clóvis viu-se obrigado a compor politicamente com uma das poucas instituições remanescentes do império, a qual já detinha uma forte ascendência sobre grande parte de sua população: a Igreja Católica.

A mitologia cristã salienta um episódio no qual Clóvis teria tido um sonho, decisivo para sua conversão ao cristianismo. O que existe de fato é a certeza de que a conversão de Clóvis ao cristianismo, em 496, e a conseqüente aliança que ele estabeleceu com a Igreja, foi, essa sim, decisiva para a afirmação de sua autoridade. Foi a partir do apoio da Igreja e dos cristãos da Gália que Clóvis pôde derrotar os demais guerreiros francos, impondo-se como rei.

ORGANIZAÇÃO SOCIAL DOS POVOS GERMÂNICOS:

Entretanto, a partir daí, uma série de características dos povos germânicos foram decisivas para que a monarquia não conseguisse manter um mínimo de centralização efetiva ao longo das décadas seguintes. Mas para uma melhor compreensão dessa situação temos de, primeiramente, compreender a forma original de organização desses povos.

As sociedades germânicas haviam evoluído de uma estrutura tribal para a formação de agrupamentos guerreiros, centrados na figura de um chefe que comanda guerreiros livres, os quais se submetem por vontade própria à autoridade daquele que é reconhecido como o indivíduo com maiores condições de comandá-los. Sendo fundamentalmente guerreiros, seus vínculos eram basicamente militares.

Não conhecendo uma estrutura institucional de Estado, esses vínculos assumiam um caráter estritamente pessoal, forjado em juramentos de fidelidade e obediência por parte dos guerreiros, em troca da proteção que lhes era concedida pelo chefe. Essa forma de organização chamava-se comitatus, ou grupo de guerra, e teve importante influência na formação da sociedade feudal.

A necessidade militar, ligada às conquistas que fazem parte do processo de destruição do Império Romano, levou a um processo de organização desses agrupamentos guerreiros. Longe de um Estado, tal como é concebido atualmente, o que se formou, de um modo geral, foi uma autoridade central, fundamentalmente militar, caracterizando um poder que, em termos genéricos, chamamos de "monárquico". Entretanto, esse poder real era exercido com fortes limitações, submetido ao prestígio pessoal do monarca e à Assembléia de Guerreiros, detentora, em última análise, do poder efetivo.

A manutenção desse princípio pessoal de relacionamento faz com que o vínculo entre o rei e os chefes guerreiros mantenha as mesmas características herdadas do comitatus. Os guerreiros submetem-se ao rei pelos mesmos juramentos de fidelidade e obediência, enquanto o rei se obriga a garantir proteção e comando militar.

BASES DA NOBREZA FEUDAL:

Esses traços mesclam-se a um aspecto econômico comum aos vários povos germânicos: o fato de terem na agricultura sua atividade básica, sendo o comércio praticamente desprezível. Assim, a questão militar assumiu um papel de sobrevivência cotidiana, ligada à defesa da terra geradora do alimento do qual eles necessitavam.

Mais que isso, os chefes guerreiros, num processo de conquista, assumiam uma condição de conquistadores da própria possibilidade de sobrevivência, o que colocava as massas de trabalhadores não guerreiros sob sua direta dependência. Com isso, criou-se uma situação na qual a posse da terra articulou-se necessariamente à capacidade de defendê-la, relegando a massa de não guerreiros à condição de trabalhadores braçais, produtores do alimento em troca da terra e da proteção recebida.

Essa relação gerou uma nítida diferenciação social, entre aqueles que trabalham e aqueles que guerreiam, constituindo estes últimos uma elite social e econômica, detentores da terra e do que havia de força militar. Estavam lançadas as bases para a constituição da nobreza feudal.

DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA:

Por outro lado, as relações entre esses guerreiros e as autoridades superiores também se fundaram nessas mesmas necessidades e princípios. Considerando-se o rei como autoridade militar suprema, sua condição, em última análise, é a de detentor de todas as terras. Para efetivar a defesa, ele concedia a outros chefes guerreiros o comando de parte dessas terras, além da proteção, mas exigindo, em troca, um juramento de fidelidade, obediência e serviço militar às necessidades do rei.

Exemplo de juramento de fidelidade entre nobres (suserania e vassalagem)


Supondo-se que esse juramento inclua, apenas como um exemplo, que este chefe militar apresente-se ao rei com o auxílio de um determinado grupo de guerreiros armados, ele terá de ter esses guerreiros submissos a ele, da mesma forma que ele é submisso ao rei. Daí a necessidade de ceder-lhes parte de suas terras - e assim sucessivamente.

Com isso, criou-se uma estrutura de verticalização das relações políticas e militares. No topo da hierarquia encontra-se o rei, vinculado a chefes guerreiros, os quais se vinculam a outros e assim por diante, num processo cujo efeito final é o estabelecimento de inúmeros domínios pessoais sempre submetidos a uma autoridade superior.

Foram esses vínculos que deram origem às relações de suserania e vassalagem, base fundamental das relações entre a nobreza medieval. O próprio Clóvis dividiu o reino em províncias às quais ele o deu nome de condados, nomeando nobres guerreiros, condes, para administrá-las. Com isso, verificou-se uma tendência à descentralização política, tendência essa que se acentuou nas décadas seguintes.

Outro aspecto a ser considerado é que, com base no velho costume, segundo o qual o rei é o detentor de todas as terras, o reino passava a ser considerado um bem pessoal, passível de herança como qualquer outro bem. Assim, era natural que o rei dividisse seus domínios entre seus filhos, quando se aproximava da morte.

OS MAJOR DOMUS E AS INVASÕES ISLÂMICAS:

O hábito franco de que o herdeiro fosse coroado aos 12 anos de idade, portanto ainda inexperiente para governar, levou ao surgimento dos Administradores do Palácio, ou Prefeitos do Palácio, os Maires du Palais, uma espécie de primeiro-ministro, oriundos de ricas famílias aristocráticas e homens fortes do poder real. Esse título, já num momento posterior, em que a herança da influência romana voltou a ser forte, passou a ser conhecido em sua forma latina: major domus.

Dessa forma, tendo seu poder esvaziado pela dispersão entre os chefes locais e pela autoridade crescente dos major domus, o poder do rei tendeu a se tornar meramente decorativo, tanto que os últimos reis merovíngios ficaram conhecidos pela designação de reis indolentes. Seu poder era meramente formal, como chefe militar supremo, condição que numa época de paz não lhe granjeava qualquer autoridade efetiva.

Ao mesmo tempo, ao manter vínculos com a nobreza guerreira, coletar tributos e controlar o pouco que havia de administração do reino, o major domus passava a ser a autoridade efetiva. Tal situação atingiu seu ponto mais agudo nas primeiras décadas do século 8, tendo como elemento impulsionador a invasão árabe sobre o território franco.

Como sabemos, impulsionados pela religião islâmica, os árabes haviam iniciado, desde o século 7, um amplo processo de conquistas. Contando com a decadência dos impérios Persa e Bizantino, e com a fragilidade dos reinos bárbaros - descentralizados no sul da Itália, no norte da África e na península Ibérica -, os muçulmanos conseguiram, num intervalo de um século após a morte de Maomé, conquistar um gigantesco domínio, que culminou com a conquista da península Ibérica, em 711.

Batalha de Poitiers - 732

A partir daí, o alvo inevitável seria o reino Franco, situado logo a norte. A liderança dos exércitos francos contra os árabes coube, no entanto, não ao rei, mas sim ao major domus Carlos Martel, que derrotara os islâmicos em 732, na cidade de Poitiers. Essa vitória garantiu enorme prestígio a Carlos, que garantiu a hereditariedade do cargo de Prefeito do Palácio. Seu filho, Pepino 'O Breve', consegue concentrar todos os poderes do reino e destrona a dinastia merovíngia, coroando-se rei e iniciando a dinastia carolíngia (de Carlos). Além do fim dos merovíngios, a batalha de Poitiers foi responsável pela preservação do cristianismo europeu, evitando assim a expansão muçulmana para o ocidente.

Pepino - O Breve


Além de Pepino, o rei mais importante da dinastia carolíngia foi Carlos Magno. Durante seu reinado, o Império Franco atingiu sua maior extensão territorial, convertendo diversos povos bárbaros ao cristianismo. Com isso, no ano 800, foi coroado pelo papa Leão III Imperador do Sacro Império Romano, garantindo assim poder temporal sobre todos os povos do ocidente, comparando seu poder político e militar aos velhos césares romanos.

Carlos Magno se apresentando ao Papa Leão III e estátua em sua homenagem.

Carlos Magno também foi responsável pelo chamado "Renascimento Carolíngio", incentivando a criação de escolas para as famílias da nobreza européia, além de produção e conservação de obras diversas, desde o classicismo até às hagiografias sagradas.

Busto dourado de Carlos Magno. Representação de escola medieval.

O Império Franco entrou em declínio com a morte de Carlos Magno (814). Seus netos dividiram o império em três com o Tratado de Verdun em 843. Iniciando os territórios que hoje como França e Alemanha.

Divisão Franca pelo Tratado de Verdun.

domingo, 1 de maio de 2011

Expansão árabe.

No ano de 630, Maomé e seus seguidores ocuparam a cidade de Meca, retornando do exílio da Hégira em Medina, destruíram os ídolos da Caaba, símbolos do politeísmo, e assim fundou-se o Islão - Estado Teocrático dos Crentes, unificando as tribos nômades que habitavam a península arábica. Esse fato é considerado como a unificação política e religiosa dos povos árabes, agora comandados pelo Califa (substituto, chefe, líder, em árabe).

Avanços árabes, destaque para as incursões maometanas e dos rashidun.


O Expansionismo árabe iniciou-se logo após a morte de Maomé, em 632, tanto em direção ao oriente como ao ocidente. Os primeiros quatro sucessores do profeta ficaram conhecidos como "Rashidun", ou "califas bem guiados", iniciando com o governo do sogro de Mohammed, Abu Bakr. Os Rashidun expandiram os domínios árabes até o norte da África, especificamente até o território da atual Líbia, além de várias ilhas do Mediterrâneo. Um dos maiores monumentos do período dos "bem guiados" é a Mesquita de Omar em Jerusalém, símbolo do expansionismo na Palestina.

Domínios conquistados pelos rashidun.


Mesquita de Omar (segundo rashidun), ou Domo da Rocha, em Jerusalém.

As conquistas islâmicas se ampliaram sob os califas Omíadas (661 - 750) e foram preservadas pelos Abássidas (750 - 1258), apesar das diversas divisões políticas, iniciadas com a fundação do Emirado de Córdoba, na Espanha (chamada de Al-Andaluz pelos árabes) em 756.
O processo expansionista foi fulminante, estimulado por interesses em dominar rotas de comércio, pela cultura do botim (saques, espólios, de guerra), pela Jihad ("Guerra Santa") e também pela fraqueza dos adversários: O império Persa que desapareceu, O império Bizantino, que foi reduzido, perdendo seus territórios na Palestina e norte da África, e os Reinos Bárbaros da região do Magreb e da Península Ibérica, que foram derrotados. Na Europa, o expansionismo muçulmano na Europa foi contido pelos Francos, na famosa Batalha de Poitiers em 732, liderada pelo Major Domus Carlos Martel, durante a dinastia Merovíngia.

Durante a Dinastia dos Abássidas o comércio árabe atingiu grande extensão, destacando-se o comércio de especiarias com as Índias, as várias rotas de contato com Constantinopla e as várias rotas do norte africano pelo interior, realizado por caravanas, que traziam ouro para a cidade de Ceuta, objeto de interesse português no século XV.

Extensão máxima do Império Árabe.

Apesar da centralização política e religiosa, a história do império árabe caracterizou-se por várias disputas pelo poder e consequentemente por divisões, de onde inclusive nasceram as duas seitas mais importantes do Islamismo: sunitas (os que seguem, além do alcorão, o conjunto de obras sobre a vida pessoal de Maomé chamado Sunnas) e xiitas
(os que aceitam apenas o Alcorão como livro sagrado do islamismo, além de só aceitarem líderes, governantes, que possuam laços sanguíneos com Mohammed).

O domínio mourisco na Península Ibérica influenciou consideravelmente a cultura daquela região, refletindo-se, inclusive, nos países que foram colônias luso-espanholas. Muitas palavras dos idiomas ibéricos são resultado de termos arabescos, como álcool, azeite, almoço etc. Praticamente todas as palavras que iniciam com "a" ou "al" são heranças árabes, assim como alguns hábitos alimentares e certas festividades.


COMPLEMENTE COM ESSE VÍDEO DA FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO:

PARTE 1:


PARTE 2: