terça-feira, 2 de novembro de 2010

O cangaço.

Entre os séculos 19 e meados do 20, um tipo específico de banditismo se desenvolveu no sertão nordestino: o cangaço. Os cangaceiros - bandos de malfeitores, ladrões, assassinos, bem armados, conhecedores da região - saqueavam fazendas, povoados e cidades, impunemente, ou, pior, impondo sua própria lei à região em que atuavam. Para isso, contavam com o isolamento do sertão, com o tradicional descaso e a incompetência das autoridades constituídas, bem como com a conivência ou proteção de vários chefes políticos locais, os grandes proprietários rurais, conhecidos como "coronéis".


O cangaceiro tornou-se personagem do imaginário nacional, ora caracterizado como uma espécie de Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres, ora caracterizado como uma figura pré-revolucionária, que questionava e subvertia a ordem social de sua época e região. Tal mito contou com a colaboração clichê de acadêmicos marxistas, os quais comparavam o cangaço como uma resistência ao coronelismo vigente. Muita gente inocente, diferente do que a mitologia sertaneja divulga, carregou sequelas das atrocidades cometidas pelos cangaceiros, como marcas a ferro, castrações, amputações, diversas perfurações no corpo.

Nesse sentido - heróico/mitológico - o cangaço é precursor do banditismo que ocorre atualmente nos morros do Rio de Janeiro ou na periferia de São Paulo, onde chefes de quadrilhas também são considerados muitas vezes benfeitores das comunidades carentes.


TIPOS DE CANGAÇO:
Mas, de acordo com a obra "Guerreiros do Sol" de Frederico Pernambucano de Mello, o cangaço se dividia em três correntes: O Vingador, de contrato e o Meio de Vida. O primeiro é o modelo clássico, que rendeu a idéia mítica de benfeitorias dos cangaceiros no imaginário popular sertanejo. O segundo era de serventia aos coronéis interioranos, contratando hostes cangaceiras como jagunços (na maioria dos casos, o cangaço nada mais era que um tipo de evolução dessa profissão). O terceiro foi o estilo mais comum, do qual Lampião fez parte, muito semelhante a criminalidade atual do tráfico no RJ ou SP.

Contribuíram para sua fama a violência e a ousadia, que o levaram a empreender ataques até a cidades relativamente grandes do sertão, como Mossoró (RN), em 13 de junho de 1927. Nesse caso, em especial, o ataque fr
acassou, pois a população local se entrincheirou na cidade e repeliu o ataque. O mesmo não aconteceu em Limoeiro do Norte (CE) ou Queimadas (BA), que o bando de Lampião tomou por alguns dias saqueando, matando indiscriminadamente, e impondo a sua vontade pelo tempo que ali permaneceu.

AS VOLANTES:
O agravamento do problema do cangaço levou as polícias estaduais a criar forças especiais para combatê-lo, as chamadas "volantes", comandadas por policiais de carreira, mas formadas por "soldados" temporários e cujos métodos de atuação - em especial em relação à população pobre - não era muito diferente daqueles dos próprios cangaceiros.
De qualquer modo, em 1938, o governo de Alagoas, finalmente contando com apoio decisivo do Governo Federal (Getúlio Vargas), que enviou novas armas, muitas herdeiras do progresso bélico da 1ª Guerra Mundial, se empenhou na captura de Lampião. Uma volante comandada por João Bezerra conseguiu cercá-lo na fazenda de Angicos, um refúgio no Estado de Sergipe. Depois de vinte minutos de tiroteio, cerca de 40 cangaceiros conseguiram escapar, mas onze foram mortos, entre eles o líder do bando e sua mulher, conhecida como Maria Bonita. Para se ter uma idéia do caráter violento da sociedade em que isso aconteceu, vale mencionar que os onze mortos foram decapitados e suas cabeças, levadas para Salvador (BA), ficaram expostas no museu Nina Rodrigues até 1968 - quando foram finalmente sepultadas.

O FIM DO CANGAÇO:

Lugar-tenente de Lampião, o cangaceiro Corisco jurou vingança e continuou a atuar até maio de 1940, quando também foi morto num cerco policial. Na década de 40, o Brasil passava por grandes transformações econômicas e sociais, promovidas pela industrialização. A evolução dos meios de transporte e comunicação integravam pouco a pouco o sertão ao resto do país. De resto, a necessidade de mão de obra nas fábricas do Rio de Janeiro e de São Paulo passaram a atrair a população do semi-árido. Assim, as diversas circunstâncias que originaram o cangaço desapareceram junto com ele.

Um comentário: